O documentário A Vida
Através das Lentes mostra um pedaço até pequeno da carreira de Annie Leibovitz.
Pra quem não conhece seu trabalho, é uma ótima chance de ser apresentado às
superproduções que a fotógrafa costuma fazer em suas fotos e, o melhor, ver que
o trabalho de Annie vai muito além de um grande orçamento e clientes famosos. O
filme consegue dar uma pincelada em seu vasto currículo, passando pelos anos de
Rolling Stone, onde fez seu nome e teve a sorte de ser a última fotógrafa a
registrar John Lennon vivo; pela sua entrada no mundo da moda (que vou falar
mais adiante) através da Vanity Fair, onde ajudou a erguer o nome da publicação
e a estabilizar o próprio; pelo seu trabalho pessoal feito em guerra, com a
ajuda e aconselhamento da namorada Susan Sontag; e, por fim, termina com o seu
trabalho na Vogue, onde está até hoje e onde, apesar da descrença inicial, fez
os trabalhos mais marcantes da sua carreira.
Yoko One e John Lennon antes horas do cantor ser assassinado
foto tirada em Saravejo
E é
aqui que eu começo a declarar um amor de longa data pelo trabalho de Annie
Leibovitz. Lembro quando fiquei mais de 30 minutos admirando um ensaio que ela
tinha feito com a Angelina Jolie em 2006 para a Vanity Fair. Na época, o que me
chamou a atenção foi o olhar penetrante que Angelina tinha dado à câmera, algo
que, então, eu creditei completamente à atriz. Mais tarde, à medida que ia me
interessando por fotografia, fui aprendendo que um olhar daqueles não é
arrancado por qualquer um e, como era de se esperar, me deparei com o nome
“Annie Leibovitz” de novo. Foi quando descobri que grande parte do efeito
magnetizante daquele olhar que tinha me intrigado tanto era mérito dela.
The Tempest: Angelina Jolie para a Vanity Fair
Durante
“Através das Lentes”, alguém comenta que Annie consegue capturar a alma da
pessoa que fotografa e que isso é sua maior qualidade. Mais tarde, uma mulher
especializada em fotografia diz que Leibovitz não obtém a alma por completo da
pessoa porque isso é impossível, mas que ela consegue capturar uma parcela
disso. Isso leva à pergunta: será que a intenção de Annie é mostrar a alma da
pessoa como um todo, ou a parcela que ela acha mais importante desse todo? Um
exemplo que ilustra isso muito bem é o retrato que ela fez de Patti Smith para
a Rolling Stone (também comentado no filme), onde a cantora confessou que Annie
viu nela algo que nem a própria Patti tinha enxergado até então.
Patti Smith para a Rolling Stone
Essa
sim é a maior qualidade do trabalho de Annie. Ela tem uma sensibilidade sobre
suas fotos e os assuntos/pessoas fotografados, que é como se revelasse com a
câmera o que só ela consegue ver da pessoa. Através de personagens que passem essa
ideia, ela consegue contar uma história pelas suas fotos, usando com maestria
figurino, cenário e modelo. Dessas histórias, já saíram uma Cameron Diaz
circense; uma Rihanna leve e livre na praia, assim como uma versão mais recente
da cantora, dominando cenários naturais como uma espécie de “deusa”; Adele
deprimida com o coração partido numa cama de hotel; a Angelina Jolie sex symbol assim como a Angelina mãe de
família que ela se tornou mais tarde; Sarah Jessica Parker num ensaio romântico
e centrado na moda, assim como a série que a tornou famosa, Sex And The City; Penélope Cruz
exaltando suas raízes espanholas ao lado de um toureiro; Jude Law como um homem
do campo; Cindy Crawford nua, envolta numa serpente, como uma Eva “pura” e
tentadora, e por aí vai.
Cameron Diaz vestindo Emanuel Ungaro para a Vogue
Rihanna para a Vogue em 2011
Rihanna para a Vogue em 2012
Adele na fossa
a transformação de Angelina
Sarah Jessica Parker para a Vogue
Não é à
toa que Annie é tão requisitada por algumas das maiores grifes do mundo, como
Dior e Louis Vuitton. As campanhas fotografadas por ela vão além da simples
venda de roupas. Elas mostram uma possibilidade de aventura que acaba sendo
associado com o produto da imagem.
Laetitia Casta em campanha da Louis Vuitton
Marion Cotillard para a Dior
Outro
trabalho de Annie que merece ser citado é o seu talento em retratar elencos de
filmes, fazendo álbuns do mesmo que às vezes saem melhor do que as imagens
oficiais. No documentário, é mostrado um trecho do ensaio de Kirsten Dunst como
Maria Antonieta, mas, ultimamente, ela tem feito praticamente um filme por mês
para a Vogue. Já foi Anne Hathaway com Os Miseráveis, Michelle Williams como Marilyn
Monroe, Nicole Kidman no set de Australia e até o elenco inteiro de Harry
Potter caracterizado no set do primeiro filme, para a Vanity Fair.
Kirsten Dunst - Maria Antonieta
Amanda Seyfried e Anne Hathaway - Les Mis
Michelle Williams - My Week With Marilyn
Nicole Kidman - Australia
O elenco de Harry Potter ainda no primeiro filme para a Vanity Fair
Por
sinal, Harry Potter não foi o único universo mágico e infantil onde Annie
entrou. Fora os ensaios de moda inspirados em contos de fadas, como Keira
Knightley de Dorothy (O Mágico de Oz) e Drew Barrymore deitada num leão à la
Bela e a Fera, a fotógrafa foi convidada pela Disney para fazer uma série
oficial de retratos. Usando celebridades para darem vida a personagens famosos
dos clássicos Disney, há desde uma Queen Latifah caracterizada de Úrsula até
uma Scarlett Johansson perdendo os sapatos de cristal na escada do castelo.
Tudo feito com megaprodução, orçamento alto e a sensação de que magia realmente
existe.
Keira Knightley - O Mágico de Oz
Drew Barrymore - A Bela e a Fera
Penélope Cruz e Jeff Bridges - A Bela e a Fera
Scarlett Johansson - Cinderella
Queen Latifah - Úrsula de A Pequena Sereia
O
trabalho de Annie não inspira só os fãs da fotografia, mas também os que a
produzem. É o caso de Terry Richardson, que começou a ficar famoso nos anos 90
e recentemente perdeu a mãe, um de seus temas pessoais mais fotografados. No
meio de 2012, apenas horas após a morte, Terry publicou no seu site oficial fotos
da mulher morta na cama do hospital. Muitas pessoas ficaram chocadas com as
imagens, provavelmente porque poucas sabiam que Annie já tinha feito o mesmo
com o pai (confesso que me incluo nesse meio). A questão é que quando se
compara os dois trabalhos, é inquestionável a superioridade técnica e
proposital de Annie. Ao lado de suas fotos, parece que Terry é apenas uma
criança com uma máquina fotográfica apertando botões a esmo enquanto tenta
fazer uma foto bem enquadrada.
foto do cadáver do pai de Annie Leibovitz tirada por ela
"a última foto que tirei da minha mãe" - Terry
Indo além
do seu significado básico, Annie mostra a fotografia como uma forma de arte requintada e excepcional.
Pegando Terry Richardson como exemplo, de novo, basta fazer uma comparação das
versões dos dois para o calendário Pirelli. Enquanto as fotos dele beiram a
pornografia (o que não o diminui, já que é a característica do seu trabalho), as
dela parecem pinturas minuciosamente retocadas.
Pirelli por Terry Richardson - 2011
Pirelli por Annie Leibovitz - 2000
Por
fim, o documentário é sem dúvida uma prova consistente do talento de Annie
Leibovitz. Ele mostra que a fotógrafa faz arte seja com um George Clooney
dentro de um lago cheio de “ninfas”, seja com um Robert Downey Jr. contra um
fundo branco.
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